"Todo pescador tem suas histórias,
suas teorias, os amores que viveu, os amores que perdeu. Dentro dele existe a
esperança de ser feliz como nunca foi um dia.
O pescador é um sonhador, e, por
viver todos os dias com a canoa, acaba se apegando a ela de uma maneira tão
sutil que, quando ele percebe, já é tarde demais.
Mas, o pescador não pode viver
vinte e quatro horas junto da canoa e, uma hora, ele precisa ficar longe, se
afastar. Aí que a canoa e o rio ficam sozinhos (apesar de estarem sempre
juntos), se conhecendo...
O pescador sai todos os dias pela
manhã com o coração palpitante de ansiedade em passar horas e horas junto da
sua canoa, atravessando a imensidão do rio em busca de peixes. Volta todas as
tardes com o coração radiante e a canoa cheia de peixinhos. Mas, o pescador
novamente precisará ir embora e quem ficará com a canoa será o rio, fazendo
companhia. Agora, estão a sós, como sempre estiveram e o pescador nunca
percebeu.
O pescador sente-se dono da
canoa, pensa que ela vai estar ali com ele pra sempre e que nada vai separá-los
porque eles foram feitos um para o outro, e esquece-se de perceber que entre
ele e a canoa existe o imenso rio que é feito um abismo entre os dois.
O pescador começa a perceber como
está apegado a canoa e decide se apaixonar por uma planta. Ele vai à
floricultura e compra o vaso mais lindo de orquídeas brancas. Coloca-as sobre a
mesa perto da janela e as observa o dia inteiro. Ele até fica alguns dias sem
sair com a canoa, sem passar algumas tardes com ela, só para tentar se
apaixonar pela orquídea.
Mas, com tristeza, ele nota a
beleza que a orquídea mostra mas que não chega aos pés do que a canoa um dia o
mostrou.
A orquídea tem lindas pétalas,
caule e folhas, também é uma terapia olhar ela por algumas horas ou regá-la;
mas nada nunca se compara ao que o pescador conheceu junto da canoa. A visão
que a orquídea mostra é limitada. Limita-se as folhas, pétalas, caule e um
pouco de terra. Mas, a canoa ia mais longe; mostrava o pôr-do-sol de todas as
tardes, viajava horas com o pescador só para que ele se desconectasse um pouco
do seu mundo e pensasse em nada, fazia o pescador feliz, muito feliz.
Por mais que o pescador busque
todo o amor que precisa na orquídea ele não consegue e, de tanta ansiedade, a
orquídea acaba morrendo, sempre. A orquídea nunca vai superar os detalhes de
cada momento que o pescador têm junto da sua canoa e, por isso, torna-se inútil
buscar na orquídea o que ele encontra na canoa.
Como eu disse, o pescador traz
todas as teorias de uma vida inteira, todas as histórias que viveu, todas as
vitórias e derrotas e, também, traz as cicatrizes de alguns traumas que teve;
mas o que o pescador não deixa de querer é viver os bons momentos que o motivam
a seguir... SEMPRE.
Exatamente por acreditar que pode
viver bons momentos e que os detalhes deles vão ficar pra sempre com ele, que
ele criou forças para que os traumas que encontrou no caminho que trilhava em
busca da felicidade virassem cicatrizes... Apenas marcas, e não doessem mais.
O pescador acredita que o destino
pode ironizar e a canoa ficar pra sempre ao lado dele, mas o pescador, depois
de tentar se apaixonar pela orquídea descobre que a canoa pode estar apenas
passando na sua vida e, logo, ir embora, deixando mais algumas marcas para o
pescador levar para o resto da vida e juntar com mais algumas de suas
histórias, portanto, por ele acreditar na teoria dos bons momentos e dos
detalhes que cada pessoa leva para sempre, ele não desistiu da canoa.
Pode ser que um dia, pela manhã,
a canoa não esteja mais naquele lugar de sempre; pode ser que durante a
madrugada ela acabe se soltando e o rio a leve mansamente, para sempre. Pode
ser que numa daquelas manhãs em que o pescador acorda ansioso em conhecer um
pouco mais do mundo junto com a sua canoa ela não esteja o esperando, e, por
mais que o pescador a procure, a chame e ela nunca mais volte, ele vai ter algo
dela com ele, para sempre e isso ninguém pode tirar.
Ninguém pode tirar do pescador as
lembranças do pôr-do-sol, dos momentos em que se divertiu brincando com a sua
canoa, das longas conversas, dos longos passeios e até mesmo aquele “apego” que
todos criticam... Ninguém pode tirar isso dele.
E, também, ninguém pode trazer de
volta a orquídea que se foi. Ela ali, perto da janela, tentava encantar e
prender a atenção do pescador enquanto ele olhava para o rio a procura da
canoa. A orquídea cansou. Meu avô sempre disse que para uma planta viver ela
não precisa só dos nutrientes necessários para crescer forte, mas precisa de
atenção e de amor. A planta precisa sentir-se acolhida e nunca sentir que está
atrapalhando. Nas florestas as plantas crescem livremente por terem a lua como
apaixonada, as outras plantas, os animais e, principalmente, as borboletas.
Infelizmente, o pescador não pôde
ser a borboleta que a planta precisava para sobreviver e, inconscientemente,
ele o matou, aos poucos. Mas, não se sente culpado. Ele teria que escolher
entre a orquídea e a canoa, mesmo sabendo que teria a orquídea por mais tempo.
Mas como todo bom pescador, ele não suportaria viver sem o pôr-do-sol, sem as
divertidas ou silenciosas tardes.
O pescador sabe que o rio tem
influência sobre a canoa e que ele pode levá-la para onde ele quiser, até
mesmo, afastá-la do pescador para sempre.
Mas a vida, de alguma maneira, se
comunica com as pessoas e mesmo que elas não percebam, a vida prepara as
pessoas para aquelas perdas que trarão uma dor inevitável; e como todo bom
pescador, ele também sabe que o sofrimento é opcional e que pode encontrar as
margens do rio, em meio aquelas plantas que crescem discretas, mais um motivo
para suportar a ausência da canoa.
O pescador nunca está só e por
mais que ele saiba que o rio e a canoa sabem muito mais que ele, ele ainda é
viciado em bons momentos e não vai deixar nunca de levar os detalhes consigo
para fazer deles um balão de oxigênio quando o ar lhe faltar. Simplesmente.
Mayara Freire.
Amigos, desculpem o sumiço.Estudando muito.Qualquer hora apareço e visito todos. Beijos.Edna