quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Rio, Canoa e Pescador.




"Todo pescador tem suas histórias, suas teorias, os amores que viveu, os amores que perdeu. Dentro dele existe a esperança de ser feliz como nunca foi um dia.
O pescador é um sonhador, e, por viver todos os dias com a canoa, acaba se apegando a ela de uma maneira tão sutil que, quando ele percebe, já é tarde demais.
Mas, o pescador não pode viver vinte e quatro horas junto da canoa e, uma hora, ele precisa ficar longe, se afastar. Aí que a canoa e o rio ficam sozinhos (apesar de estarem sempre juntos), se conhecendo...
O pescador sai todos os dias pela manhã com o coração palpitante de ansiedade em passar horas e horas junto da sua canoa, atravessando a imensidão do rio em busca de peixes. Volta todas as tardes com o coração radiante e a canoa cheia de peixinhos. Mas, o pescador novamente precisará ir embora e quem ficará com a canoa será o rio, fazendo companhia. Agora, estão a sós, como sempre estiveram e o pescador nunca percebeu.
O pescador sente-se dono da canoa, pensa que ela vai estar ali com ele pra sempre e que nada vai separá-los porque eles foram feitos um para o outro, e esquece-se de perceber que entre ele e a canoa existe o imenso rio que é feito um abismo entre os dois.
O pescador começa a perceber como está apegado a canoa e decide se apaixonar por uma planta. Ele vai à floricultura e compra o vaso mais lindo de orquídeas brancas. Coloca-as sobre a mesa perto da janela e as observa o dia inteiro. Ele até fica alguns dias sem sair com a canoa, sem passar algumas tardes com ela, só para tentar se apaixonar pela orquídea.
Mas, com tristeza, ele nota a beleza que a orquídea mostra mas que não chega aos pés do que a canoa um dia o mostrou.
A orquídea tem lindas pétalas, caule e folhas, também é uma terapia olhar ela por algumas horas ou regá-la; mas nada nunca se compara ao que o pescador conheceu junto da canoa. A visão que a orquídea mostra é limitada. Limita-se as folhas, pétalas, caule e um pouco de terra. Mas, a canoa ia mais longe; mostrava o pôr-do-sol de todas as tardes, viajava horas com o pescador só para que ele se desconectasse um pouco do seu mundo e pensasse em nada, fazia o pescador feliz, muito feliz.
Por mais que o pescador busque todo o amor que precisa na orquídea ele não consegue e, de tanta ansiedade, a orquídea acaba morrendo, sempre. A orquídea nunca vai superar os detalhes de cada momento que o pescador têm junto da sua canoa e, por isso, torna-se inútil buscar na orquídea o que ele encontra na canoa.
Como eu disse, o pescador traz todas as teorias de uma vida inteira, todas as histórias que viveu, todas as vitórias e derrotas e, também, traz as cicatrizes de alguns traumas que teve; mas o que o pescador não deixa de querer é viver os bons momentos que o motivam a seguir... SEMPRE.
Exatamente por acreditar que pode viver bons momentos e que os detalhes deles vão ficar pra sempre com ele, que ele criou forças para que os traumas que encontrou no caminho que trilhava em busca da felicidade virassem cicatrizes... Apenas marcas, e não doessem mais.
O pescador acredita que o destino pode ironizar e a canoa ficar pra sempre ao lado dele, mas o pescador, depois de tentar se apaixonar pela orquídea descobre que a canoa pode estar apenas passando na sua vida e, logo, ir embora, deixando mais algumas marcas para o pescador levar para o resto da vida e juntar com mais algumas de suas histórias, portanto, por ele acreditar na teoria dos bons momentos e dos detalhes que cada pessoa leva para sempre, ele não desistiu da canoa.
Pode ser que um dia, pela manhã, a canoa não esteja mais naquele lugar de sempre; pode ser que durante a madrugada ela acabe se soltando e o rio a leve mansamente, para sempre. Pode ser que numa daquelas manhãs em que o pescador acorda ansioso em conhecer um pouco mais do mundo junto com a sua canoa ela não esteja o esperando, e, por mais que o pescador a procure, a chame e ela nunca mais volte, ele vai ter algo dela com ele, para sempre e isso ninguém pode tirar.
Ninguém pode tirar do pescador as lembranças do pôr-do-sol, dos momentos em que se divertiu brincando com a sua canoa, das longas conversas, dos longos passeios e até mesmo aquele “apego” que todos criticam... Ninguém pode tirar isso dele.
E, também, ninguém pode trazer de volta a orquídea que se foi. Ela ali, perto da janela, tentava encantar e prender a atenção do pescador enquanto ele olhava para o rio a procura da canoa. A orquídea cansou. Meu avô sempre disse que para uma planta viver ela não precisa só dos nutrientes necessários para crescer forte, mas precisa de atenção e de amor. A planta precisa sentir-se acolhida e nunca sentir que está atrapalhando. Nas florestas as plantas crescem livremente por terem a lua como apaixonada, as outras plantas, os animais e, principalmente, as borboletas.
Infelizmente, o pescador não pôde ser a borboleta que a planta precisava para sobreviver e, inconscientemente, ele o matou, aos poucos. Mas, não se sente culpado. Ele teria que escolher entre a orquídea e a canoa, mesmo sabendo que teria a orquídea por mais tempo. Mas como todo bom pescador, ele não suportaria viver sem o pôr-do-sol, sem as divertidas ou silenciosas tardes.
O pescador sabe que o rio tem influência sobre a canoa e que ele pode levá-la para onde ele quiser, até mesmo, afastá-la do pescador para sempre.
Mas a vida, de alguma maneira, se comunica com as pessoas e mesmo que elas não percebam, a vida prepara as pessoas para aquelas perdas que trarão uma dor inevitável; e como todo bom pescador, ele também sabe que o sofrimento é opcional e que pode encontrar as margens do rio, em meio aquelas plantas que crescem discretas, mais um motivo para suportar a ausência da canoa.
O pescador nunca está só e por mais que ele saiba que o rio e a canoa sabem muito mais que ele, ele ainda é viciado em bons momentos e não vai deixar nunca de levar os detalhes consigo para fazer deles um balão de oxigênio quando o ar lhe faltar. Simplesmente.
Mayara Freire.
Amigos, desculpem o sumiço.Estudando muito.Qualquer hora apareço e visito todos. Beijos.Edna

domingo, 4 de agosto de 2013

O Ócio






“...Quem foi que inventou o futuro? Os índios não foram, viviam um eterno agora na caça, come, deita, acabou, levanta e caça de novo. Os budistas lá no outro lado do planeta também nunca quiseram saber do amanhã. E por toda a Idade Média as pessoas viveram de forma essencialmente contemplativa, na adoração a Deus. Foram os burgueses e os humanistas da Renascença que inventaram de "acordar" o mundo. Resolveram que a religião seria repensada e o modelo clássico de antropocentrização das artes e ciências seria adotado. Criaram o futuro e a necessidade de pavimentar o caminho até ele. O homem clamou pelo domínio da natureza e surgiram as noções de planejamento e crédito. A questão era: qual a vida mais nobre, a da contemplação ou a da produção, devemos viver no ócio, ou optar por sua negação, o neg-ócio?
Renunciando ao agora e desistindo do ócio criamos uma civilização de prazeres adiados em nome de um por vir que não chega nunca. O lado bom desta busca é o encontro com o novo e a sensação do renascer. Então, o preço pago pelas tribos de ócio foi a ausência de desenvolvimento e cultura, mas o preço pago pela civilização é o enquadramento do espírito, a correria e a falta de paz.
O que você faz no domingo? Consegue deixar a brisa levar ou precisa de uma intensa programação para o bom aproveitamento de seu lazer? Dá tempo de olhar em volta, sentir, ouvir, perceber o que se passa com as pessoas que quer bem? E olhar pra si, fazer aquela faxina interna, dá? Porque a gente veio aqui pra evoluir e encontrar a paz, mas será que é possível com tanto ruído em torno? Sonho de rico é praia deserta, luz de lampião e rede com vista pro mar - vida do pescador.
Eva e Adão viviam felizes lá no ócio sublime. Quando cometeram o deslize fatal, Deus expulsou-os da Perfeição e como castigo impôs-lhes o trabalho. Mas Deus é pai, e mãe, e por morada forneceu um mundo de natureza equilibrada onde em se plantando tudo dá. Com algum esforço sobraria bastante tempo para os deleites do espírito. Muito se andou, as eras se passaram e chegamos aos tempos modernos - vivemos a época do homem civilizado. No entanto, nunca como hoje fomos tão predadores e gananciosos.”

Maite  Proença